quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Mulheres reagem contra machismo das HQs



A Adriana me passou essa matéria do The Guardian perguntando se eu achava que iria surgir um quadrinho unissex nos EUA graças a este movimento que está acontecendo (*já há vários anos*) por lá. Sinceramente, não vejo muita esperança para os comics de Supers, não, e, infelizmente, dentro do senso comum eles são “o quadrinho norte-americano”, único e verdadeiro, chegando aos extremos, para alguns (*pobres de espírito*), de serem “os únicos quadrinhos do mundo”. Se os norte-americanos, porque é deles que estamos falando, conseguirem atrair e/ou permitir que mulheres participem da criação de seus quadrinhos, sem que seja simplesmente para repetir estereótipos que só agradam – quando muito – aos fanboys, acredito que irá se criar algo novo. Não no underground ou no autobiográfico, no qual elas já estão presentes ou nunca se ausentaram, mas de algo novo que seja satisfatório e interessantes para elas, também. De resto, estou assustada, porque vários Romance Comics (*1-2*) – exemplo de quadrinhos sexistas feitos para mulheres nos EUA por várias décadas – estão sendo republicados em edições de luxo ou aparecendo como decoração de agendas e outros produtos. Aquilo só vale como objeto de estudo.

De resto, alguns trechos da matéria são um achado. Vejam só uma das partes que fala de como as mulheres são continuamente excluídas e rechaçadas: "No que diz respeito à cultura mais ampla dos quadrinhos, muitas mulheres fãs de HQs contam que são ignoradas, assediadas ou tratadas com hostilidade nas lojas de HQs. E ocorre bullying persistente on-line contra as mulheres.". Tais falas, que não são minhas, mas de americanas, só confirmam o que eu falei em uma discussão no blog da Lola sobre sexismo nos comics. As mulheres, nos EUA (*e aqui, talvez em menor grau*), são ignoradas e/ou hostilizadas em lojas de quadrinhos. São as técnicas de supressão, isto é, você cria obstáculos diversos para que um grupo – neste caso as mulheres – não se sinta parte da cultura dos comics, ou que tenha direito a produzir quadrinhos. Afinal, eles não são para elas mesmo, não é? Sempre foi assim! Portanto, pare de reclamar e vá lavar roupa ou fazer outra coisa naturalmente “feminina”. Com tanta pressão, não precisa colocar na porta a plaquinha "Menina não entra", porque elas vão se sentir tão mal nesses espaços, que a maioria, não vai entrar mesmo.

Lá no blog da Lola, um imbecil (*sim, em múltiplos sentidos, afinal, quem despreza livros e qualquer coisa que não seja seu achismo é um imbecil*) insistiu que não existia esse tipo de impedimento, que ninguém nunca excluiu as mulheres do mundo das HQs nos EUA... Tudo imaginação das feministas, sabe? Sei... Sei... Definitivamente, nós mulheres no Ocidente somos o outro indesejado para muitos indivíduos que produzem quadrinhos e/ou se acham seu público privilegiado. Curiosamente, como o ecnonômico não dita tudo, eles nem se importam em abrir mão de 50% ou quase do público, o importante é manter o status quo, o controle do produto, dos espaços de socialização (*eventos e comic shops*). Será que há a possibilidade de um quadrinho de supers mais inclusivo? Sei lá, mas há muito mais para ler, e os mangás estão aí para provar isso.

Mulheres reagem contra machismo das HQs
PUBLICIDADE
BEN QUINN
DO "GUARDIAN"

"Bayou Arcana" é um dos títulos mais ansiosamente aguardados a emergir do dinâmico cenário britânico de gibis e "graphic novels". Mas a antologia de horror "gótico sulista" está causando espécie por razões que não se limitam a suas imagens e tramas sombrias. A antologia é fruto de um experimento singular que reúne uma equipe de ilustradoras formada inteiramente por mulheres e uma equipe de autores de texto composta só de homens. Ela ilustra como uma nova geração de mulheres --artistas e leitoras--, que está mudando radicalmente a aparência das histórias em quadrinhos.

"Há uma sensibilidade encontrada na arte de mulheres que simplesmente não aparece no trabalho de muitos homens", explica James Pearson, que editou a antologia. "Bayou Arcana" relata a história de escravos foragidos que se refugiam em um pântano. "O modo como elas interpretam o horror possui uma profundidade adicional, e isso faz parte do experimento. É uma abordagem bastante sensível a um tema visceral."

Prevista para sair este ano, a antologia chega no momento em que cresce o impulso por mudanças na cultura das HQs, ainda vista como sendo dominada por homens jovens, sérios, de cavanhaque e rabo de cavalo. "Historicamente falando, o setor das HQs sempre foi muito dominada por homens. Mas recentemente uma mudança vem ocorrendo", fala Lisa Wood, cofundadora do festival Thought Bubble, um evento de seis dias de duração em Leeds que é descrito como o maior evento anual britânico que celebra todas as formas de "arte sequencial".

"De repente estamos ouvindo as experiências e opiniões de mulheres sobre política, religião, sexo e maternidade. O mais importante, porém, é que essas histórias não são criadas exclusivamente para mulheres --elas são para todos." Wood citou "Persépolis", o livro autobiográfico (transposto para o cinema em um filme de animação indicado ao Oscar) de Marjane Satrapi sobre sua adolescência e juventude no Irã, "Fish and Chocolate", de Kate Brown, e "Fluffy", de Simone Lia, como exemplos da mudança. "Essas histórias abordam o gênero com humor delicado e emoção inteligente", disse ela.

O Thought Bubble, cujos workshops e fóruns em novembro celebraram as autoras e ilustradoras, reflete a voz crescente das mulheres num cenário que tradicionalmente tem sido masculino. O festival atraiu artistas renomadas, como Posy Simmonds, criadora de "Tamara Drewe", e Suzy Varty, que em 1977 publicou a primeira antologia de HQs do Reino Unido, "Heroine". Outras convidadas de uma nova geração incluíram artistas do grupo de HQs dinamarquês Penneveninder, a americana Becky Cloonan e a britânica Emma Vieceli.

"É realmente importante para nós dar destaque a mulheres no setor das HQs, especialmente porque muitas pessoas de talento acabam sendo passadas por cima por outras convenções de HQs no país", diz Wood. "Basta olhar para a lista de convidados a qualquer grande convenção: a disparidade é evidente."

ASSÉDIO

Não são apenas as artistas e autoras que estão encontrando sua voz. Em conjunto com o site de campanhas sociais Change.org, um grupo de mulheres fãs de HQs nos Estados Unidos se prepara para lançar um movimento para combater o assédio em convenções de HQs. "O assédio físico e verbal é comum em convenções de HQs e outras convenções voltadas ao público geek --por parte de convidados, presentes e funcionários", diz Jessica Plummer, uma das organizadoras de um abaixo-assinado que pede a adoção de políticas de combate ao assédio.

"Já vi comentários sobre vários tipos de assédio, desde comentários inapropriados até estupro. Já vi mulheres sendo bolinadas por desconhecidas porque estavam trajando figurinos." "No que diz respeito à cultura mais ampla dos quadrinhos, muitas mulheres fãs de HQs contam que são ignoradas, assediadas ou tratadas com hostilidade nas lojas de HQs. E ocorre bullying persistente on-line contra as mulheres."

O abaixo-assinado previsto chegará na esteira de outro, em 2011, que expressou a revolta de leitoras com a falta de autoras e personagens femininos na DC Comics, dona dos direitos sobre personagens como Superman e Batman. Quando a DC Comics relançou sua linha inteira de títulos sobre super-heróis, a proporção de personagens femininas em seus gibis caiu de 12% para 1%. Mais de 4.500 fãs telefonaram à DC, pedindo que tomasse "medidas contra esses números terríveis, ofensivos, sob pena de continuar a ver suas vendas caírem".

A DC insiste que está levando a questão muito a sério e apontou para autoras como Nicola Scott, Felicia D. Henderson e Gail Simone. E chamou a atenção para personagens da DC como Mulher Maravilha, Batgirl, Mulher-Gato e Batwoman, reinventada como lésbica. Apesar disso, blogueiras que escrevem sobre HQs, como Vanessa Gabriel, dizem que a DC e a Marvel --que, juntas, dominam o mercado-- vêm demorando a reagir concretamente às preocupações de suas leitoras.

Gabriel diz que a DC está se saindo melhor quando se trata de criar personagens femininas de destaque e que seu sofisticado selo Vertigo causou boa impressão, mas que "o sangue e a violência gratuita prevalecentes em muitos títulos da Marvel reduzem a abrangência de seu público". Para ela, "essa é uma fórmula que pode ter funcionado bem para a Marvel e a DC no passado, mas está claro que não está funcionando mais".

NORMA ESTÉTICA

Outra comentarista americana, Laura Hudson, vincula a escassez permanente de mulheres criadoras e tomadoras de decisões no setor das HQs ao fato de a maioria dos títulos para o mercado de massas "variar de gibis em que as mulheres são sexualizadas a gibis em que elas são fortemente sexualizadas de maneira ofensiva".

Hudson, que edita o site ComicsAlliance, diz que "desenhar mulheres com cinturinhas inviavelmente finas e seios imensos, em trajes reveladores, é a norma estética nas HQs sobre super-heróis, e, institucionalmente, é difícil romper com ela". "Enquanto isso, as HQs independentes, incluindo os webcomics, têm uma proporção muito menos desigual entre criadores homens e mulheres. E, não por acaso, adotam uma abordagem muito mais balanceada e diversificada à mulheres."

É também esse o caso dos graphic novels, cujo boom recente vem ajudando a atrair novos leitores, além de grandes livrarias. A artista e letrista Nichola Wilkinson, que faz parte da equipe responsável por "Bayou Arcana", diz que pesquisas da qual ela participou no Reino Unido sugerem que as mulheres tendem a comprar suas graphic novels em grandes livrarias como a Waterstone's, e não nas lojas tradicionais de quadrinhos.

"Está ocorrendo uma mudança no comportamento de compra e consumo, com a qual mais gibis são vendidos como coleções ou graphic novels extensos, em livrarias", diz Wilkinson. "Com isso, foi aberta a porta para que editoras independentes menores produzam HQs cobrindo uma gama maior de temas." E as grandes editoras estão diversificando sua produção. Exemplos deste ano incluem "Marzi: A Memoir", uma graphic novel da Vertigo, pertencente à DC.

Escrita por Marwena Sowa, é o relato de sua infância e adolescência na Polônia dos anos 1980, mostrando Chernobyl e a queda do comunismo sob a ótica de uma criança. É algo que difere completamente das narrativas dos super-heróis tradicionais. Aclamado pela crítica, o livro vem tendo boa acolhida com os poloneses da Polônia e os que vivem fora do país. "Na semana passada tive um encontro em Bruxelas com leitores, entre os quais muitos poloneses de minha geração. As garotas disseram que, desde que foram viver fora do país, não falam sobre como era sua vida na Polônia. Elas simplesmente compram um exemplar de 'Marzi' e o dão para seus novos amigos, dizendo 'era assim'." Sowa acrescente: "Não existe separação entre HQs criados por homens ou mulheres. Mas, para mim, não é estranho que eu tenha leitoras e que muitas delas sejam crianças."

Tradução de CLARA ALLAIN.
P.S.: Para excelentes exemplos das representações sexistas das mulheres nos quadrinhos americanos, visitem o Escher Girls. O site é ótimo, também, para que possamos ver como alguns desenhistas são péssimos e não só por tentarem transformar todas as super-heroínas ou vilãs em pin ups.

6 pessoas comentaram:

Eu sou fã de quadrinhos, mas sempre preferi bem mais os mangas do que as HQs americanas, com a exceção de algunas super-herois...
Honestamente, não tinha noção das proporções desse preconceito... Assedio!!! Isso me assustou! Mas, sem dúvida, isso é algo que tem que mudar... E espero que realmente mude!
Interessante a matéria!

Bjuss

"Machismo nas HQs americanas de super-heróis? Imagina! Isso só existe na cabeça das feministas! Temos tantas personagens femininas fortes e representativas. Vejam a Mulher-Maravilha e a Supergirl!"

Claro! Estamos falando da amazona que usa um maiô como "traje de guerra", que só fica no seu corpo usando Super Bonder, e da prima do Super-homem que usa uma mini-saia com 1/3 do comprimento daquela das colegiais japonesas.

Pois é. Acompanho Comis há muito tempo e se tem uma coisa que sempre me incomodou foi justamente a representação das mulheres nas HQs, e da falta de autoras, especialmente das que possam representá-las devidamente.

E eu recomendo fortemente o Escher Girls. É uma fonte diária de gargalhadas (ou de lágrimas, dependendo do caso). Verdadeiros atentados à anatomia humana sendo cometidos justamente por desenhistas renomados e celebrados, incluindo os brasileiros da DC e Marvel.

É triste, lembro que a desenhista brasileira Adriana Melo contou em seu blog que já foi duramente criticada pelos fanboys mesmo fazendo um trabalho fabuloso. Acho que posturas como essa me distanciam cada vez mais dos comix.

Tem muita coisa errada nos comics de supers além de feminismo.
Um caso perdido.

"Com tanta pressão, não precisa colocar na porta a plaquinha 'Menina não entra', porque elas vão se sentir tão mal nesses espaços, que a maioria, não vai entrar mesmo."

Um dos posts mais lúcidos que já li sobre a questão.

Entrei no site "Escher Girls" e me diverti muito com a anatomia absurda de algumas personagens de HQ...rs ^^' Parabéns pela matéria. Beijos!

Related Posts with Thumbnails