segunda-feira, 8 de junho de 2009

Traduzindo Mangá no Brasil: Entrevista com Karen Kazumi



Uma das tradutoras mais ativas do mercado de mangá no Brasil é Karen Kazumi, que é responsável por alguns dos melhores títulos de shoujo e josei que temos no nosso mercado. Quem freqüenta o Orkut, já deve tê-la visto participando de algumas comunidades. Aproveitei a proximidade e pedi para que ela desse uma entrevista para o Shoujo Café falando das suas experiências como tradutora, possibilidades e dificuldades da profissão no Brasil. Depois dos trâmites burocráticos, isto é, a devida autorização da JBC e da Panini, aqui está a entrevista.

Fico muito grata à Karen por ter aceitado e às editoras por terem liberado a entrevista. É a primeira vez que tenho o prazer de publicar este tipo de material aqui no Shoujo Café e espero que seja útil para todos os leitores e leitoras que se interessam ou pela experiência da tradução de mangás no Brasil, ou almejam seguir a profissão.

Shoujo Café: Como você se tornou tradutora? Qual a sua formação?

Karen Kazumi: Foi por um acaso. Nunca tinha pensado em ser tradutora. Eu gostava mesmo era de desenhar e fazer trabalhos mais gráficos, mesmo não levando muito jeito para isso. Consegui um estágio na editora JBC como assistente de arte dos mangás. Terminei meu período de estágio e, quando soube que o canal Animax iria ao ar, entraram em contato comigo, pois sabiam que eu tinha conhecimento de japonês e precisavam de muitos tradutores para os animes que seriam dublados.

Eu me formei no curso de Desenho Industrial - Programação Visual (Design Gráfico), mas nunca trabalhei mesmo na área, apenas fiz alguns estágios. Quanto ao japonês, tive contato com a língua desde pequena, mas só comecei a estudar seriamente aos 10 anos, quando comecei um curso de japonês. Formei-me no sexto ano e fiz mais sete anos de aperfeiçoamento.


SC: Como você percebe a profissão de tradutora? É difícil seguir esta profissão no Brasil?

Karen Kazumi: Meu serviço nesta área ainda é muito restrito. Ser tradutora de japonês não é apenas saber traduzir mangás, animes, novels e doramas. Uma verdadeira tradutora precisa ter conhecimento de várias outras coisas como economia, política, legislação, para fazer traduções mais técnicas também, mas, infelizmente, ainda não cheguei a fazer trabalhos desse tipo.

Não sei ao certo como está a procura de profissionais nesta área agora. Alguns conhecidos meus pegam serviços como freelancer, mas nada fixo que garanta um rendimento mensal. Há algum tempo, cheguei a procurar outras editoras para oferecer meus serviços, no entanto, percebi que muitas já possuem tradutores com quem trabalham normalmente e, enquanto estes derem conta do serviço, é difícil arriscarem com outros desconhecidos. Tive sorte por começar a traduzir em uma época em que buscavam tradutores, e não o contrário.

SC: Como você começou a traduzir mangás? Qual foi a primeira obra que você traduziu?

Karen Kazumi: Como já mencionei, comecei traduzindo animes. Com o passar do tempo, foram me passando mangás para traduzir também. Não sei o motivo de começarem a passar mangás para eu traduzir, mas simplesmente não deixei passar essa oportunidade. Eles me perguntaram se aceitaria o serviço e eu simplesmente disse que sim. A primeira obra que eu traduzi foi o “Onegai Teacher” da JBC.

SC: Você já morou no exterior? Acha que está experiência é importante para quem trabalha com tradução?

Karen Kazumi: Eu já morei durante um ano no Japão como bolsista. Foi uma experiência muito produtiva, mesmo não sendo para estudos da língua em si, pois fui para estudar coisas na minha área, design. Apesar disso, não nego que esse contato direto com a cultura e pessoas do país me ajudaram muito no trabalho de tradução. Como qualquer outra profissão, ser um tradutor também requer estudos e atualizações. E a vivência no exterior (no caso, o Japão) é um bom meio para se atualizar já que a língua de um país é mutável com o tempo.

SC: Quais os mangás que você traduz no momento? Qual deles representa o maior desafio?

Karen Kazumi: No momento, traduzo para duas editoras e direi apenas aquelas obras que ainda estou traduzindo e que já estão em publicação. Da JBC eu tenho o Fullmetal Alchemist, Cavaleiros do Zodíaco - The Lost Canvas e Hellsing. Da Panini, tenho Aishiteruze Baby, Colégio Ouran Host Club, Honey & Clover, Marmalade Boy, Sunadokei e Trigun Maximum.

Acho que a obra que representa maior desafio para mim é Honey & Clover. É uma obra que possui muitas abstrações, pensamentos confusos onde nem ao menos os próprios personagens se entendem. Não sei se é por serem alunos de uma faculdade de artes, mas suas mentes trabalham de forma complexa na história, suas personalidades não são tão claras e evidentes.


O que sempre achei complicado é expressar sentimentos. E isto não se aplica somente à Honey & Clover. Cada pessoa sente uma coisa e capta informações de forma diferente. Por isso é complicado passar em palavras os sentimentos de alguém. Mesmo os nossos próprios sentimentos são complicados de se expressar em palavras. Imagine o sentimento dos outros.


SC: Você já se deparou com alguma expressão que fosse “intraduzível”? O que é possível fazer nestes casos?

Karen Kazumi: Sim, com certeza. Sempre há palavras ou expressões que não encontramos um correspondente direto em nossa língua. No caso de mangás, é preciso ler com atenção o texto em questão e tentar entender o que se passa, entender a personalidade de cada personagem e perceber o que o(a) autor(a) pretendia transmitir naquele momento. É depois de tudo isso que entra a etapa da adaptação, já que nem tudo pode ser traduzido na íntegra. Essa é a hora de se ter um “jogo de cintura” e saber improvisar sem perder o ritmo da trama.

SC: Sei que é uma pergunta genérica, mas qual o gênero que traz maiores desafios à tradutora: Shounen? Seinen? Shoujo? Josei? Você poderia falar sobre desafios específicos?

Karen Kazumi: Acredito que sejam títulos seinen e josei.

Não tive muito contato com títulos desse tipo para tradução, mas já li alguns. Por serem voltados para um público um pouco mais velho que os shounen e shoujo, costumam possuir maior complexidade em seu conteúdo.


Quanto a desafios específicos... Bem, já falei um pouco sobre Honey & Clover. Tem o Trigun Maximum que é um seinen bem complexo. Muitas vezes o autor salta no tempo sem aviso prévio, o que pode confundir um pouco, além do uso de várias gírias. Outro seinen que traduzi e foi um desafio também foi Hellsing. Foi um trabalho diferente dos que eu já havia feito até então. Nunca fui muito boa em história ou geografia, não sabia muito sobre nazismo, tive que pesquisar algumas coisas a respeito para poder traduzir esse mangá.

SC: Você trabalha exclusivamente com tradução, ou mantém outra atividade?

Karen Kazumi: Não, também trabalho na parte administrativa/financeira de uma indústria metalúrgica, mas gostaria de, um dia, poder trabalhar somente com tradução ou alguma outra atividade voltada ao design. Mesmo não seguindo esta carreira, não me arrependo de ter estudado isso e continuo a gostar muito desse ramo de atividade.

SC: Além de tradutora, você também é leitora de mangás? Quais as suas obras favoritas?

Karen Kazumi: Sim, leio muito mangá e tenho uma coleção enorme. Por ter tido mais contato com revistas shoujo e shounen, tenho mais mangás destes gêneros, mas é difícil citar minhas obras favoritas. Gosto de histórias de detetive, esportes, médico, sobrenatural,... Tudo depende do meu estado de espírito. Gosto de mangás como: One Piece, Eyeshield 21, Meitantei Conan, Private Actress, Silente Eye, Sora wa Akai Kawa no Hotori (Anatolia Story),...

Mas eu sou do tipo de leitora que, se gosto de determinada história, acabo comprando praticamente todas as obras do(a) mesmo(a) autor(a). E leio várias e várias vezes me emocionando toda vez que leio.


SC: Qual a formação que você recomendaria para os leitores e leitoras que desejam seguir na profissão? Que conselhos você poderia dar para quem deseja se profissionalizar?

Karen Kazumi: Eu não saberia dizer ao certo. Muitos amigos meus fizeram letras, mas esse não foi o meu caso. Simplesmente estudei japonês porque eu gosto e tinha muito interesse na língua e na cultura. Acredito que o mais importante seja sua vontade de aprender a língua e estar sempre correndo atrás de mais informação e conhecimento.

Como eu já disse, um profissional mesmo em tradução tem que ter conhecimento geral de tudo, sociedade, política, economia, legislação,... E não só de seu país, como daquele que traduz também.

Como conselho pessoal, posso dizer para aqueles que forem trabalhar com isso não tenham receio de começar. É preciso dar o primeiro passo e tentar sempre pegar serviços mais variados possíveis para aumentar suas possibilidades de atuação. Quanto mais nos aprimorarmos, mais portas se abrirão diante de nós.

Poderia dar vários outros conselhos, mas muita coisa aprendemos somente na prática. O importante é não ter medo de começar e seguir em frente.


P.S.1: A Karen traduz desde 2005 e fez o seu intercâmbio no Japão em 2006. Foi quando estava no exterior como bolsista que ela traduziu os mangás Fullmetal Alchemist e .hack//A Lenda do Bracelete do Crepúsculo.

P.S.2: O Kadu lembrou nos comentários que a Karen também traduziu Kare First Love e a light novel de Rurouni Kenshin lançada pela JBC. Obrigad apelo toque.

16 pessoas comentaram:

Sensacional!!

Queria ver mais entrevistas com tradutores, saber mais sobre os trabalhos e pontos de vista diferentes dessa profissão.

Eu adoro a Karen, ela é uma pessoa muito fofa e está sempre no orkut perguntando se a tradução está boa, se ela comete algum erro ela pede desculpas.

Acho que faltou colocar aí que Kare First Love tbm é tradução dela (apesar dela ter dito que já terminou de traduzir) e também que ela traduziu uma light novel de Samurai X/Rurouni Kenshin para a JBC que é bem diferente de um mangá.

Sim, sim, ela foi super gentil e é muito educada sempre.

Eu posso colocar no "P.S.", mas ela não inclui Kare nas respostas. Vou colocar lá.

Valeu, Kadu.

Que bacana conhecer esses trabalhos de grandes profissionais, seus making-offs... adorei como sempre aguardo mais entrevístas!

\._./

Eu realmente não coloquei Kare First Love na lista porque já terminei de traduzir. E não coloquei o novel do Samurai X (Rurouni Kenshin) porque não é um mangá.

Mas este último foi um trabalho muito gostoso, apesar de ter sido muito corrido, já que tive que terminar antes de minha viagem ao Japão. Tive que correr mesmo e passei noites em claro para terminar acho que foi uns 3 dias antes da viagem.

Desculpa minha ignorância,mas gente
eu não sabia que ela era a tradutora.

Ótima entrevista,ela parece ser uma pessoa super simpática.

Obrigada "shoujo café"




Bjiinhos

Não se preocupe Cássia, a maioria das pessoas nem presta atenção para os nomes das pessoas que trabalham na produção do mangá.

O máximo que muitos olham é se é da JBC, Panini, Conrad, etc.

E normalmente as pessoas usam pseudônimos, mas eu nunca fiz isso. Por que nunca tinha pensado que fosse trabalhar com tradução e ser tão conhecida assim. Apenas mantive meu nome no orkut, foruns, como já deixava antes (nunca fui muito criativa com pseudônimos).

Otima entrevista.
Parabens a Karen pelo excelente trabalho, e a Valeria pela iniciativa.

Aliais, vc pode publicar essa entrevista na NeoTokio?

Adorei a entrevista, sempre quis saber mais sobre a vida de um tradutor no Brasil, mas o melhor é que que acompanho a maioria dos mangás que ela traduz...^^

Muito boa a postagem

Muito Bacana a entrevista.
Dos mangás que coleciono, gosto muito dos que a Karen traduz, exceto Fullmetal Alchemist, mas nesse caso a JBC já tinha descaracterizado o mangá.

Adorei a entrevista. Sempre vejo a Karen nas comunidades da JBC e Panini. Apesar da correria ela sempre da um "oi" lá.

Seria uma boa ter mais entrevistas, principalmente com os "cabeças" das editoras.

OFF: Valéria, como voce gosta de Jane Austen, resolvi falar. Acabei de olhar o site da saraiva e está a venda "Pride And Prejudice And Zombies", se nao me engano voce ja comentou sobre ele aqui.

fantástica a entrevista! eu diria que é a prova de que vc é uma pessoa que não só critica, mas também defende e põe em prática suas idéias!

Muito legal a reportagem Valéria! ^^ É uma das coisas que mais gosto de ler!

Isso me lembra a falecida Henshin que sempre fazia entrevistas! ^^

karen eh um amor!
lembro dela no chat da conrad!\o/

Tudo de Bom pra vc(Karen),e gostaria de agradecer por seus trabalhos e por ser acessível atravez do Orkut(Comu JBC e outras)

Ao Shoujo Café tambm um MUITO obrigado o/

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