sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Capítulo 2: A Decisão de uma Vida (Parte 7)

Se você está lendo este post, deve ter passado pelo capítulo 1. Agora, você está na sétima parte do capítulo 2. Se caiu aqui por engano, clique para retornar para a parte anterior, se você clicar na tag Rosas, poderá acessar todos as partes que coloquei no blog até aqui. Quem estiver perdido é só perguntar. Continuarei a postagem até o terceiro capítulo e depois, só se realmente houver interesse.




Ventos de Mudança
Capítulo 2: A Decisão de uma Vida (Parte 7)

A ansiedade de Marina foi crescendo no decorrer do dia. Não conseguia acreditar em tudo que ouvira e vira, mas, ao mesmo tempo, tinha medo de que tudo não passasse da mais absoluta verdade. Queria ter certeza. Mas como? Saiu de seu quarto e foi até os aposentos da Rainha. O criado disse que ela não estava e ela disse que aguardaria pela madrasta. Não sabia quando a Rainha retornaria, ou mesmo se retornaria, só que não tinha outra idéia no momento. Não adiantava procurar por Alan ou Alda, eles já tinham suas certezas, Marina precisava das suas.

Começou a observar o ambiente, sua madrasta tinha um excelente gosto para móveis e decoração em geral. E tudo primava pelo luxo e pela elegância. Aquele não era o quarto de sua mãe, o quarto onde ela morrera. O Rei dera aposentos novos para sua segunda esposa, afinal, poderia ser de mau agouro usar o da Rainha anterior. O quarto novo era maior, com janelas com vitrais magníficos e a mobília era a mais nova de todo o castelo, tinha vindo das terras do Sul, do país de Dominique. Marina estava examinando uma tapeçaria que trazia uma cena de caçada quando seus olhos caíram sobre uma redoma de vidro, dentro havia um cristal. Ela nunca atentara para aquele objeto. Claro! Ele sempre estivera coberto, só que, agora, sentiu-se subitamente atraída por ele. Era o cristal do seu sonho! “Eu não deveria tocá-lo. Não é correto, não é...”

Retirou a redoma com cuidado e colocou-a sobre um móvel. “É lindo! E como brilha! Como brilha!” Tocou o cristal e ele começou a emitir um brilho intenso, assim como o seu próprio medalhão. “É a luz outra vez! Aquela mesma luz!” A imagem de um homem belíssimo surgiu dentro do cristal, sua boca se movia, mas Marina não conseguia compreender, só percebia sua extrema agonia e desespero, tão torturantes que ela pode senti-los nitidamente. “É como no meu sonho! Quem é ele?”

— Fale comigo! Quem é você? Por que está preso? — Ela não conseguia ouvir o que ele dizia. — Por favor, que posso fazer para ajudar você? O que?

A Rainha entrou. Seus olhos dardejaram de raiva quando viu onde Marina havia mexido. Correu e cobriu o cristal com a redoma, fazendo com que a luz se extinguisse e a imagem do homem desaparecesse. Depois pegou Marina pelo braço e a sacudiu:

— Nunca mais toque nas minhas coisas, ouviu? — Ela estava quase gritando. — Nunca mais! — Percebendo que a estava machucando, a Rainha soltou a outra.

— Por que? Que cristal é esse? — Estava confusa. — Por que todos me dizem coisas e não me explicam o por quê? — Fez pausa. — Quem era o homem do cristal?

— Homem no cristal? Você está imaginando coisas. — Falou ainda com raiva na voz. Depois percebendo que a estava sobressaltando mais do que deveria, acrescentou: — Você é muito curiosa, Marina, um dia poderá ter sérios problemas se não se controlar. — Disse com voz doce, mas ainda assim em tom ameaçador.

— Majestade, eu não sou nenhuma criança boba. — Respirou fundo. — Há muitas coisas estranhas ocorrendo por aqui. Aquele mago...

— Você é muito impressionável, menina. — Olhou bem para ela. — O que lhe disseram? Que eu era uma bruxa? Que enfeiticei seu pai? Que bebo o sangue de criancinhas em orgias noturnas com Sir Richard ao meu lado? Que outras histórias contam sobre mim? — Ela sorriu. — Ora, querida, muitos invejam minha posição, desde que seu pai era vivo.

— Não, não foi isso que o mago disse... Só que... Sempre me tratou bem, eu não acredito no que disseram, não posso acreditar... — Estava tateando nas palavras.

— Então, por que teme? Se nada tem contra a minha pessoa, deveria confiar em mim, não é mesmo? — Ela acariciou a cabeça loura de Marina, como faria com um bichinho de estimação. — Ou acha que pode sair por aí cavalgando e libertando o povo oprimido? — Falou debochando dela. — Isso é uma grande tolice. Se você ainda fosse a filha de De Mülle... Viu o que ela fez hoje? Uma vergonha! — Disse com ar de censura. — Eis a falta que uma boa mãe faz.

— Não me acha capaz de fazer coisa alguma por mim mesma, não é? — Ela estava se sentindo desafiada, e conhecendo sua índole, era exatamente isso que a Rainha sabia que ocorreria. — Me acha uma boba?

— Não, absolutamente. — Fez pausa e sentou-se. — Eu só a considero muito sensível e penso que não deveria ouvir essas tolices. Mas pode acreditar que essas histórias irão cessar quando seu primo partir daqui. Acredito que sua presença seja daninha. É um De Brier, afinal. — Comentou como que casualmente.

— Partir? Vai permitir que volte com o Conde De Sayers, então? — Não conseguia conter sua curiosidade, principalmente, quando o assunto era Alan.

— Com De Sayers? Não, de forma alguma. Eu irei enviá-lo para o Sul. A ilha de Valteil. Conhece? — Quem não conhecia aquele inferno na terra? Um pântano terrível e fétido, com feras devoradoras de homens por todo o lugar? — Irá viver no exílio, é a única forma de neutralizar sua má influência. Ele é um símbolo, um estímulo para os rebeldes deste reino. Os De Brier devem ser apagados da memória de todos.

— Exílio?! — Os olhos de Marina se arregalaram. — Mas ele não fez nada, Senhora. Por quê?

— Ele não precisa fazer, minha querida, basta que ele exista. Este é o grande problema deste rapaz. Ele deveria ter deixado de existir faz muito tempo, mas seu pai foi magnânimo. Eu devo ser prática. — Fez pausa. — Não se perturbe com isso. Já disse estas preocupações não devem ocupar sua cabecinha.

— Sim, creio que tem razão. — Estava pálida. Começava a ter grandes dúvidas. “Talvez a única que possa resolver minhas dúvidas seja a Rainha das Fadas...” — Com licença, Majestade, creio que deseja descansar. — Recebeu a permissão e saiu, com o coração apertado.
XXX
Alda trocou-se e foi em busca de seu pai, todos a olhavam para ela com espanto, admiração ou desdém. Em outra situação isso poderia despertar algum sentimento nela, mas não na situação em que estava. Não era como se não se importasse, mas estava anestesiada. Erik comentava sua atuação calorosamente, afinal estava orgulhoso dela, como nunca esteve antes!

— Esteve maravilhosa, Milady. — O rapaz falou empolgado, deixando de lado os seus movimentos contidos. — A última batalha foi...

— Você é suspeito para dizer isso, Erik. Afinal, você é meu amigo. — Alda deu um sorriso sem graça.

— Talvez aceite melhor uma opinião externa, Senhora. — Disse Lívio se aproximando e vencendo sua timidez. — Seu desempenho foi soberbo. — O rapaz fez uma mesura. Alda olhou para ele com desconfiança pouco disfarçada e Erik se colocou em guarda. — Perdão, creio que fui rude. — Sua voz era melodiosa e acentuada por um sotaque que Alda não reconheceu. — Sou Lívio De Gaglione, ao seu serviço, Senhora. — Apresentou-se tomando sua mão e depositando um leve beijo.

— Agradeço o elogio, Senhor, mas devo encontrar meu pai. — Alda não queria intimidades com ele, pois era sobrinho da Rainha, e não estava disposta a conversar com desconhecidos.

— Vi o Marquês De Mülle perto do chafariz. — Falou e depois comentou: — Ouvi falar muito de seu pai na universidade. Um de meus mestres sempre elogiou sua inteligência, perspicácia e o fato de incentivar as artes e as ciências.

— Mestre!? Qual mestre? — Alda perguntou desconfiada.

— Mestre Leonardo De Ceravel, o renomado filósofo.

— Ele foi meu professor por algum tempo. — Alda comentou com um sorriso rápido. — Creio que meu pai gostaria de ter notícias de Mestre Leonardo. — Fez pausa, não deveria perder seu tempo em conversas tolas, mas... — Mas creio que fui rude. Este é Erik, meu grande amigo e escudeiro. — Os dois se cumprimentaram.

— Eu o vi na audiência, Senhor. Não quis combater? — Erik tentou mostrar-se gentil, embora não desejasse dividir a atenção de Alda com ninguém.

— Onde eu estava, era o lugar mais seguro para mim. — Passou a mão bem feita bem feita pelos cabelos para domar uma mecha rebelde que lhe caía sobre a testa. — Sou tão mal cavaleiro que se tivesse participado, com certeza, todos se lembrariam mais do meu fiasco que do triunfo da Senhora Alda. — Comentou bem humorado. — É uma fama que eu dispenso. — Alda sorriu de novo e não conseguiu resistir mais.

— Mas o que estudou na universidade? Como está Mestre Leonardo?

Começaram a conversar e Alda se maravilhou com inteligência e elegância do rapaz que diferia de todos os outros que conhecera até então. Tocava diversos instrumentos e falava algumas línguas, era versado em filosofia e nas letras, além disso, era extremamente gentil, o único problema, e um bem grande por sinal, era o fato de ser sobrinho da Rainha. O rapaz também começou a apreciar a companhia da moça que não falou nem de fitas e vestidos nem de como eram maravilhosos os guerreiros e, se antes, pretendia somente matar sua curiosidade, sentia agora que encontrara a primeira pessoa capaz de entender sua natureza.

Alda apresentou Lívio a seu pai, invertendo o que seriam as boas regras da corte, e este também ficou encantado pelo rapaz e esqueceu que deveria repreender a filha. Conversaram sobre muitas coisas, desde arquitetura, até o cultivo de vinhas e oliveiras. Seu sotaque, ao contrário do de Humberto, que era áspero e só acentuava seu débil conhecimento da língua, só tornava sua voz mais doce e encantadora. O Marquês o considerou um noivo ideal. Entretanto, sabia que o compromisso com Humberto De Dorsos não poderia ser esquecido e sentiu seu coração pesado, outra vez. De repente, o próprio Humberto aproximou-se deles, com uma expressão furiosa no rosto.

— Acredito, Senhora, que me deve desculpas. — Falou em um tom “amigável”.

— Desculpas, Senhor? Não compreendo o motivo. Foi derrotado em um combate justo. — Alda foi sarcástica.

— Não seja ridícula, mulher! — Esbravejou e Erik quase se atirou em cima do gigante, mas Alda o conteve com o olhar. — Não deveria estar na liça. Aquele não era lugar para uma dama. — Falou em tom alterado que o tornava ainda mais ameaçador. — Sua atitude imodesta, humilhou-me, Senhora.

— Creio que a Senhora Alda não pretendia humilhá-lo, Senhor. Foi o acaso que fez com que se encontrassem. — Lívio interveio calmamente. — Além disso, seria uma lástima nos privar da atuação de alguém tão habilidoso, só porque... só porque se tratava de uma mulher. — Continuo com voz pausada. — Eu mesmo não vejo nisso limitação, ou vergonha alguma... — Terminou com um cumprimento para Alda.

— Quem é você para se meter quando falo com minha noiva? — Perguntou em voz tão alta que todos que estavam por perto olharam para eles e tanto Lívio quanto Erik ficaram perplexos, o último, aliás, ficou pálido como um fantasma. — Meta-se com sua vida!

— Sou Lívio De Gaglione. — Disse tentando manter a fleuma enquanto seu desejo era ser tragado pela terra. Afinal, escolhera para cortejar uma mulher comprometida e com alguém bem perigoso. Humberto lembrou-se então que já o vira e quem ele era. — Eu não sabia que estavam noivos. Eu lamento muito! — Não era um pedido de desculpas, mas a expressão de sua tristeza pela situação de Alda.

— Posso ser sua noiva, Senhor. Isto é inevitável, como bem sabemos. — Comentou com mordacidade. — Só que não tem direito de me dar ordens, devo satisfações ao meu pai somente.

— Por enquanto, pode ser, mas amanhã isto irá mudar e há de me respeitar, pois serei o seu senhor. E farei com que saiba disso desde o primeiro instante. — Ameaçou e os olhos de Alda faiscaram. Foi então que Humberto percebeu que sua aproximação tinha sido infeliz outra vez. — Creio que nos veremos no baile hoje. — Disse sem graça. Podia parecer que não, mas ele realmente desejava que seu casamento fosse feliz.

— Com certeza. — Alda sentiu que os olhos de Lívio estavam sobre ela e que o brilho de felicidade havia desaparecido deles e lamentou sinceramente. “Espero que não me despreze por isso!” — Peço, porém, que mantenha a devida distância. Saiba que só o aceito por não ter outra opção e só suportarei a sua presença quando isso se tornar absolutamente inevitável!

— Meus respeitos, meu sogro. — Disse ele ignorando o último comentário de Alda, ainda tentou pegar a mão da moça, mas ela a retirou com nojo. — Nos veremos mais tarde, então. Com licença. — E se foi.

— É um boçal! — O Marquês falou involuntariamente. — Não deveria tê-lo deixado furioso, minha filha.

— Não pude resistir e acredite, meu pai, eu ainda farei pior do que isso, esteja certo. — E lembrando-se que Lívio ouvira e do que poderia pensar. — Não pense mal de mim, Senhor. Eu...

— Como poderia? Sei bem como as coisas acontecem no nosso meio... Nem sempre é possível escolher. Embora lamente profundamente a sua sorte. — Seu tom de voz era profundamente triste agora. — Espero vê-la no baile, hoje.

— Eu também espero. — Ele fez menção de se retirar e ela segurou sua mão. — Espero que dancemos esta noite, talvez seja o meu primeiro e último baile. — Esta atitude era imprópria, ela sabia, mas decidira a fazer o que lhe viesse em mente e o rapaz pareceu não se importar, aliás, pareceu encantado.

— Será um prazer, Senhora, e uma honra. — Sorriu o sorriso mais encantador que Alda já vira. — Com licença, Senhor Marquês, creio que precisam conversar, agora. — Beijou a mão que o segurava e se foi, fazendo com que Alda corasse ligeiramente.

— Parece ser rapaz excelente. — O Marquês comentou melancólico. “E você caiu de amores por ele, minha filha.”

— É verdade. — Falou Alda acompanhando com os olhos a silhueta elegante do moço se afastando. — Ele em nenhum momento me recriminou nem se espantou, é um cavalheiro. — Concluiu com tristeza.

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