quinta-feira, 16 de dezembro de 2004

Capítulo 1: Ecos do Passado (parte 3)

Você deve ter lido a parte anterior deste capítulo. Ele foi cortado para facilitar a leitura, e tem três partes ao todo. Agora, você está na terceira metade. Se caiu aqui por engano, clique para retornar para a parte 1, se deseja ler a parte dois, basta clicar.

XXX

— De Mülle, faz muito tempo, não é? — “Sim, desde a morte de...” De Sayers tentou saudá-lo a mesma naturalidade dos tempos de adolescente só que havia profunda ironia em sua voz, pois sabia e sentia que aquilo tudo era parte de um passado inalcançável, pois seus dois grandes amigos, Marc De Voleuil e Estevão De Brier, não estavam mais a seu lado. — Creio que se recorda de seu sobrinho, Alan. — O olhar do rapaz era tão terrível que seu tio teve que desviar os seus.

— Bom revê-lo, De Sayers. — Fez pausa e apertou a mão do outro, beijando-o na face. Alan, no entanto, recuou para evitar seu toque, tal qual faria com um animal repulsivo. — Sim, eu me lembro de meu sobrinho. — “Como esquecer de alguém que é a viva imagem de meu pai, aqui acusando minha covardia.” Porque Alan era muito parecido com o avô, os olhos, a forma do rosto e mesmo algumas expressões e o andar. — Vejo que fez dele um homem. Eu me congratulo com você. — Afastou-se um pouco. — Esta é minha filha, Alda. — Fez sinal para a moça que se aproximou. — Filha cumprimente o Conde e seu primo.

Alda cumprimentou o Conde sorrindo e com um meneio de cabeça, quando ia cumprimentar Alan, ele virou-lhe o rosto. Alda prontamente lhe dirigiu a palavra:

— Creio que não lhe fiz nada meu primo para que me virasse o rosto, pois não? — De Mülle e o Conde se entreolharam e o mal estar se instaurou. — Creio, Senhor Conde, que a descortesia de meu primo é, também, uma ofensa à sua pessoa. — O Conde viu que teria de dizer algo, mas foi Flora quem interrompeu.

— Peço que o desculpe, Senhora. É que Alan é muito tímido, creio que interpretou mal o seu ato. — “Pois, sim! Primeiro virou o rosto para meu pai, depois para mim! Por que?” Alda pensou irritada, mas o olhar de seu pai foi um sinal claro de que não deveria prosseguir com a discussão.

— Realmente, o descortês fui eu. Esta é minha sobrinha Flora. — “Sobrinha!? Mas como se De Sayers é filho único?”, De Mülle pensou surpreendido. O Conde fez uma pausa e virando-se para o Marquês. — Creio que podemos cavalgar juntos até o palácio, não é De Mülle.

— Sim... Pelos velhos tempos. — Fez pausa. — Alda junte-se a seu primo e à sobrinha do Conde. — Ordenou. — Será bom ter alguém de sua idade e posição para conversar.
Alda obedeceu a contragosto, afinal não gostara de seu primo nem um pouco. Lembrava-se vagamente de Estevão, irmão de Alan, mas ele era gentil e delicado com ela e seu pai. Flora se colocou entre um e outro e nenhum dos dois falou coisa alguma até que ela decidiu que deveria começar.

— Gosta de cavalos, Senhora Alda?

— Chame-me de Alda, por favor. — Ela estava decidida a ser gentil, já que a outra parecia sincera e tinha um ar modesto e franco. — Sim, temos muitos cavalos em casa, mas este é meu favorito.

— Ele é muito bonito, mas parece mais um cavalo de batalha. É muito incomum ver uma dama montando algo assim. — Na verdade, Flora via muito poucas damas e não tinha como julgar mas sentia-se na necessidade de entabular uma conversa sobre qualquer tópico.

— Não gosto de montar egüinhas dóceis ou cavalos castrados. Este aqui foi domado por mim, com a grande ajuda de Erik, meu amigo e escudeiro. — O rapaz assentiu com a cabeça, sempre em silêncio e um pouco afastado do grupo. — Seu cavalo é muito bonito, também... — Fez pausa. — Tive um como esses quando era criança. — Flora não se importou com o comentário, não era dada a valentias, assim, pouco importava se seu cavalo fosse o mais manso e dócil possível.

— Alan também domou seu próprio cavalo e ele monta muito bem. — Disse olhando para o rapaz e tentando estimulá-lo para que falasse.

— Mesmo!? Se montar tão bem quanto fala, está perdido. — Comentou com aparente desdém para fazer com que o outro dissesse alguma coisa.

— Para mim, “prima”, quem domou este cavalo que está montando foi esse seu escudeiro. Aliás, não acredito que seja capaz de domar um reles cachorrinho. — Falou olhando bem nos olhos da outra e ela se sentiu plenamente satisfeita. “Ele tem uma língua afiada, então?” — Deveria parar de contar bravatas e conversar sobre bordados ou outro tema feminino qualquer.

— Bordados?! Bem, para seu governo, bordo tão bem quanto monto. Acredito que seus talentos são bem mais limitados que os meus, obviamente. — Alfinetou, olhando bem nos olhos do outro.

— Quem você acha que é? — Alterou a voz e o Conde e o Marquês viraram-se para ver o que ocorria. — Com certeza, não seria capaz de me derrotar em uma corrida. — “Fala como um homem, mas duvido que seja capaz de agir como um.”, pensou irritado.

— Correr, aqui!? — Ela olhou em volta. — Estamos dentro do perímetro da cidade!? É uma loucura!

— Está com medo de perder, prima? — Debochou. — Temos pista livre pela frente, covarde!

Alda respirou fundo, sabia que era inadequado e que poderiam provocar um acidente, porém tinha certeza que poderia vencer aquele mal-educado e mostrar-lhe seu devido lugar, assim sendo... Como estava sentada atravessada na cela, como uma dama devia fazer, virou-se para que pudesse sentar-se a cavaleiro, com as pernas abertas, posição mais confortável, nessa manobra acabou descobrindo as pernas até a altura dos joelhos.

— Quando estiver pronto, “primo”! —Falou, imitando a entonação debochada do outro.

— Alan, não faça isso! Por favor! — Flora suplicou, mas o rapaz não deu ouvido.

Olhou para o escudeiro de Alda, mas o rapaz permanecia indiferente, como se nada de errado estivesse acontecendo.

— Agora!

— Alda, não... — O grito do Marquês foi inútil, pois saíram em tamanha carreira que ninguém poderia alcançá-los. — Erik, faça com que pare! — O pedido não tinha sentido pois o rapaz nada podia fazer e nem queria. Desejava ver Alda derrotar o insolente.

— Meu Deus! O que estes dois acham que estão fazendo? — O Conde preocupou-se.

Os dois avançavam emparelhados, subindo a alameda que ia dar no castelo, quem chegasse primeiro... No entanto, havia alguém subindo, também. Um cavaleiro vestido de negro, montado em um belíssimo cavalo, igualmente negro e semi-escondido pela névoa. Tão distraídos estavam os dois adolescentes e o cavaleiro, que Alan deu-lhe um violento encontrão e os dois caíram do cavalo, pondo fim à correria.

— Diabos! Quem... — O cavaleiro retirou o elmo exibindo seu rosto perfeito, o mais belo que Alda já vira e o mais aterrorizador, também. Seus olhos de um azul quase transparente mostravam uma frieza extrema. Ao ver o rapaz, o cavaleiro interrompeu a frase e ficou olhando para seu rosto por um instante. “É o filho de Elizabeth!” Respirou fundo e continuou, levantando-se e espanando o pó das roupas com altivez e vagar, como se nada mais lhe importasse. — Sabe quem sou eu, rapaz?

Alan estava absolutamente embaraçado e Alda desmontou e se aproximou, tentando parecer o mais segura possível, apesar da constrangedora situação em que estavam.

— Senhor, eu peço mil perdões. Eu... — Alan gaguejou de olhos baixos. Sentia-se um idiota. Deveria ter ouvido Flora.

— Eu vou providenciar para que seja punido como merece, imbecil! — A ameaça era preocupante.

— Senhor, perdoe-nos! Não foi intenção de meu primo atingi-lo. — Alda começou. — Na verdade, ele só estava correndo porque eu pedi que testássemos nossos cavalos. Como um cavalheiro, — Pigarreou. — ele não poderia negar-me este favor. A culpa foi toda minha. — Falou com sua voz mais doce. E Alan sentiu-se grato e, ao mesmo tempo, humilhado.

— Quem é você que fica promovendo corridas nas estradas reais? — Perguntou examinando Alda de alto a baixo notando, que apesar de estar totalmente descomposta, empoeirada e descabelada, suas belas roupas e seu porte altivo indicavam que se tratava de uma dama, embora não se comportasse como tal.

— Sou Alda, filha do Marquês De Mülle, Senhor. E o Senhor, quem é? — Alda perguntou, sabendo que salvo pela Casa Real, ninguém tinha origem mais nobre que a sua. Alan continuava lá plantado absolutamente rubro, desejando ser tragado pela terra. “Imprudência! Ainda vou morrer por causa disso!”

— Meus inimigos me chamam de Evilblood, Sir Richard Evilblood. Este é meu nome. — Disse lentamente, saboreando o efeito que seu nome iria causar no rapaz. Ao ouvir aquele nome, pronunciado com tanto orgulho, Alan ergueu a cabeça e seus olhares se encontraram finalmente. “Isso mesmo, De Brier, olhe bem nos olhos da morte, pois não terá uma segunda chance para fazê-lo de novo!” De rubro, Alan ficou lívido. — Quem é você, rapaz, para merecer tão extremada defesa? — Perguntou com ar debochado.

— Eu... Eu sou... — Os lábios do jovem estavam exangues e tremiam, o suor frio lhe descia pela testa. Alda espantou-se de vê-lo gaguejar de repente, contradizendo tudo o que vira dele até então. Só que não era de medo que gaguejava, era de raiva, pura e concentrada. Se ao menos tivesse uma espada! Antes que algo pior acontecesse, De Sayers e De Mülle chegaram esbaforidos.

— Sir Richard, ele é meu pupilo. Seu nome não importa, pagarei por qualquer ofensa que tenha praticado. — Falou De Sayers antes que Alan dissesse qualquer coisa.
— Algumas coisas, só o sangue pode pagar, caro Conde. Sabe muito bem. — Richard falou irônico e Alda lançou um olhar suplicante para seu pai.

— Evilblood, ele é pouco mais que uma criança. Compreendo que foram impertinentes, todos dois, — Deu ênfase às duas últimas palavras e lançou um olhar de desaprovação à filha querida. — mas peço sua complacência, Senhor. Nós dois somos responsáveis por eles e os puniremos de acordo com a sua falta. — Fez pausa. — Magnanimidade, Senhor, só os mais nobres podem demonstrar. — Seu olhar era suplicante agora. “Primeiro, Alan e, agora, este homem! Meus pecados vêm sobre mim impiedosamente!”

— Muito bem, Nobres Senhores, — Seu tom era de deboche de novo. — tenho uma entrevista com a Rainha e não posso me atrasar, por isso, esquecerei a ofensa por ora, mas tratem de mantê-los bem longe de mim. Acorrentados de preferência. — Falou com desprezo. “Ah, Deus! Diante deste homem e nada posso fazer! Dá-me outra chance para que faça justiça!” Alan suplicava em pensamento. “Por que todos têm medo deste homem? O que ele tem que pode por todos aterrorizados ao mesmo tempo? O que?”, Alda pensava, corroída pela curiosidade. — Com a sua licença, Senhores. Creio que nos veremos mais tarde. — Disse isso e montou imponente, afastando-se.

1 pessoas comentaram:

Valéria eu amei ta muito bom.Continue por favor ^_^.
No começo tive preguiça porque é longo mas fiquei pensando "Como seria uma história que a Valéria fez?".Acabei me envolvendo e vi tudo :)

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