sábado, 16 de fevereiro de 2008

Comentando Norte e Sul: A série Britânica e a Americana



Hoje é o dia dos off-topics, eu sei. Poderia até comentar que talvez a Panini traga mais um mangá da Matsuri Hino (Vampire Knight e Merupuri), mas estou de mal com essa editora por conta da *sacanagem* que está acontecendo com Peach Girl. Sim, não tem como usar outro termo. *I’m sorry*. Daí, decidi falar das duas séries que assisti recentemente. Na verdade, estou meio viciada em minisséries da BBC (*e filmes dos anos 30 e 40, também*), e a Sett vivia me sugerindo dar uma olhadinha em Norte e Sul, baseado em um romance da Elizabeth Gaskell.

Eu realmente nunca tinha ouvido falar dessa autora ou da obra até que me sugeriram a minissérie. Confesso que me senti uma porta, afinal, a autora é muito importante dentro do contexto da literatura inglesa do século XIX, do chamado "romance industrial", especialmente quando se pensa nas grandes escritoras, Jane Austen, as irmãs Brontë. Fui lá, baixei a série e assisti no meu aniversário. A caracterização ficou excelente, a fotografia, a forma como o contraste do Sul rural e do Norte industrializado foi construída ficou muito bem marcada. As lutas operárias e a caracterização da crise que precedeu a II Revolução Industrial me fez lembrar lá das minhas aulas de Moderna II com o Prof. Fragoso e das leituras do Hobsbawn. Thornton é um industrial que age racionalmente, mas ainda é imbuído de princípios "ultrapassados", como honra, e não consegue passar para a próxima etapa do capitalismo, ele está na fase industrial e a turminha está passando para a financeira, com a especulação na bolsa e tudo mais.


O casal protagonista é bom, a tensão sexual sempre presente, a transformação pela qual os dois passam, superando os preconceitos em relação ao Norte ou ao Sul, mas o Sr. Thornton (
Richard Armitage) não é de longe tão bom quanto o Sr. Darcy, ainda mais encarnado pelo Collin Firth, e Margaret Hale (Daniela Denby-Ashe) não me impressionou como a Lizzy. Aliás, a mocinha de Norte e Sul é bem mais fraca que a de Orgulho e Preconceito, apesar de sua atividade social. Dito isto, ainda prefiro Orgulho e Preconceito. Sei porque muita gente compara as personagens, afinal, temos os mal-entendidos sobre o caráter, especialmente do mocinho, e a mudança para algo melhor.

Acredito que o ponto mais forte de Norte e Sul são as coadjuvantes. A família operária, com o líder sindical (Brendan Coyle) e suas filhas, o operário que enlouquece, e, especialmente, os pais de Margaret (Tim Pigott-Smith e Lesley Manville) e a mãe do Sr. Thornton (Sinéad Cusack). Aliás, o contraste entre as duas mães, uma fragilizada, dependente do marido e da filha e que morre de tristeza (*literalmente*) quando se vê obrigada a deixar a vida no campo; a outra a que luta para salvar os seus, que parece feita de aço e dá o apoio que o filho precisa para dar a volta por cima. Claro que corri e peguei o livro para ler. Primeiro na net e depois comprei a edição da Penguin na Cultura. E, bem, devo dizer que o final do livro é muito, muito bom e que a minissérie com a patética cena do trem – Sim, é bonitinha, tem beijinhos e talz, mas ele indo atrás dela foi muito melhor, fora o humor que sumiu e o pobre Henry (John Light), o advogado que ela tinha dispensado no início, foi largado de forma muito desrespeitosa – ficou aquém do que deveria ser. Mas gostei da série. Gostei muito mesmo.


Procurando a Norte e Sul inglesa, acabei tropeçando em outra série de mesmo nome, só que americana. Esta também fala do contraste entre Norte e Sul, só que nos Estados Unidos. Senti-me uma porta de novo, nunca tinha ouvida falar da minissérie que teve três partes, Patrick Swayze como protagonista e o Comandante Riker no elenco. Fora, claro, gente do quilate de Olivia de Havilland, Jean Simmons, Elizabeth Taylor, Forest Whitaker, James Stewart, Gene Kelly. Coloquei a mão na massa e meu E-Mule trabalhou ininterruptamente por uma semana. Estou com a temporada de 1985 e 1986 na mão. A terceira temporada de 1994, baixo depois, afinal, ela parece ser muito inferior.

Bem, as minisséries são baseadas em best-sellers de autoria de John Jakes e o tom, claro, é muito diferente de uma minissérie inglesa. São três livros ao todo, North and South, Love and War e Heaven and Hell. Muita coisa foi cortada, pois cada livro tem média de 800 páginas, mas a série é longa, cada episódio tem uma hora e meia e as duas primeiras séries têm seis episódios cada. O tema, eu diria, é o da amizade entre dois homens, Orry Main do Sul e George Hazzard (
James Read) do Norte, capaz de resistir a todas as adversidades.


A primeira série foca no encontro dos dois que estudarão juntos em West Point e em como as tensões entre Norte e Sul fazem com que os EUA caminhem para a Secessão. É possível manter a amizade intacta quando se tem visões de mundo tão diferentes? A segunda série foca na Guerra Civil (
1861-1865), claro, na separação inevitável, e nas tragédias que se abatem sobre a nação americana e a vida das personagens. A última parte é a Reconstrução Radical (1863-1877) já sem Orry Main que é morto logo no início da série, porque Patrick Swayze não queria participar. Na verdade, a personagem morria no livro dois, então, ele estava mais do que certo em declinar o convite.

O tema da amizade é bem trabalhado, e os autores de shounen mangá deveriam olhar para esse tipo de material. Sim, a maioria das amizades de shounen mangá são um convite ao yaoi: os caras se amam tanto que não ligam para mulher alguma, há sempre aquela tensão homoerótica que dá material de sobra para as fanzineniras. Enfim, as duas protagonistas são bem complexas e, embora goste mais do George, já que estou sem saco para personagens hiper-sofredoras e/ou neuróticas. O sujeito sabe usar a cabeça, tem senso de humor, não fica de bobagem, tem um agudo senso de honra, mas não se deixa arrastar por ele. Além disso, casa com a pessoa certa, sem maiores lengalengas. Mas não pensem que Orry Main é uma personagem ruim, pois ele é excelente para mostrar as contradições do Sul.


Main lembra um pouco o Ashley Wilkes de "E o Vento Levou" no quesito honra acima de tudo, mas é menos tímido em criticar os problemas da região, além de não ser um inútil. É contra os castigos cruéis, as não tinha a intenção de libertar seus escravos, até porque, não saberia como se virar sem eles. Ele defende a modernização como vital para o Sul, assim como o noivo de Bette Davis em Jezebel, e isso o coloca em conflito com o pai conservador. Além disso, é contra a guerra, mas não deixaria de lutar por seu país, sua honra, e o orgulho que o faz acreditar (*com razão*) que o Norte quer ditar a forma de viver da outra parte da nação.

Uma mudança significativa na personagem de Main é que ele não perde um braço na Guerra do México como no livro, mas toma o clássico "ferimento do herói" e passa a mancar de uma perna. Não sabem o que é isso? Herói só pode ser ferido na perna ou no braço, não pode perder pedacinhos, tampouco ficar deformado. E antes que alguém diga que essa convenção é coisa de americano, lembro que li isso naquele texto das leis dos animes e, claro, estou para ver uma versão de Jane Eyre na qual o sr. Rochester realmente perca uma das mãos, fique cego de todo e tenha seu rosto desfigurado pelas chamas. Já vi quatro versões, nenhuma delas teve a coragem. Mas voltemos para Norte e Sul...


Assim como na Norte e Sul inglesa, a reconstituição de época é excelente e não se tem o objetivo de pintar nenhum dos lados como perfeito. Todos têm seu lado obscuro, a vida de um operário não é muito melhor do que a de um escravo e os nortistas abolicionistas não são menos racistas que a gente do Sul. Essas discussões são o ponto alto da minissérie, bem mais do que o atormentado romance de Orry com Madeline Fabray (Lesley-Anne Down). Os dois se encontraram adolescentes, quando ele ia para West Point, fazem juras de amor, se escrevem, mas o pai dela (Lee Bergere) passa a destruir as cartas e ele só poderá voltar para casa depois de dois anos. Pensando que não era mais amada, a moça é empurrada para um casamento do interesse do pai com um homem bem mais velho (David Carradine). O pobre Orry volta para casa bem no dia do casamento da moça. Eles desfazem o mal entendido, o que foi ótimo para manter minha boa vontade em relação à série, e percebem que foram enganados, mas aí já era tarde.

São uns vinte anos de encontros e desencontros e Madeline sofrendo nas mãos de um marido que lembra o Leôncio Mau-Mau de "A Escrava Isaura". Quando tudo parece ir bem, a mocinha descobre que sua bisavó era negra e que pela política racista do “one-drop rule”, ela é negra, também, uma octoroon, alguém com 1/8 de sangue africano (*Aprendi montes de coisas com essa série*). Se seu marido descobrir, será a sua morte, e, claro, ela teme que o escândalo atinja Orry e sua família. E olha que ainda há outro segredo cabeludo que o pai não lhe conta antes de morrer...


Enfim, Norte e Sul tem muitas personagens legais. Os dois protagonistas, a esposa do George, Constance (Wendy Kilbourne), Madeline, Charles Main (Lewis Smith) . Aliás, Charles parece que vai ser um daqueles moleques chatinhos, mas acaba crescendo como personagem, não é o protagonista, mas todas as suas cenas merecem atenção. As mulheres da série sempre se mostram muito fortes quando necessário, como a mãe de Orry (Jean Simmons), sua irmã Brett (Genie Francis), a ex-escrava Semiramis (Erica Gimpel) e, na segunda temporada, Augusta (Kate McNeil), a amada do Charles.

O problema é que o autor, John jakes, tem o dom de criar personagens psicopatas. Aliás, os vilões da série estão sempre em um tom over. Nem todos, o irmão de George, interpretado pelo Jonathan Frakes (William Riker), é o "vilão" mais light, encostado, ambicioso, e corrupto, estimulado pela esposa a tornar a vida do irmão e da cunhada difícil, com um complexo de inferioridade enorme em relação ao George e dominado pela mulher, mas os outros... Justin Lamotte, marido de Madeline, é o típico monstro. Ashton (
Terri Garber), irmã do Orry, é literalmente *the bitch*, capaz de qualquer coisa por poder, dinheiro e sexo, obcecada por tudo que é da irmã mais nova, Brett, especialmente o noivo pastel dela, Billy Hazzard, irmão caçula do George. Temos ainda o feitor, que é um monstro de menor monta mas que fica até o fim da série. E temos, claro, o Bent (Philip Casnoff), que se acha Napoleão e jura que se vingará dos dois protagonistas quando eles conseguem fazer com que ele seja expulso de West Point... Mas não foi gratuito, ele era aluno instrutor da turma dos dois rapazes e tinha feito horrores com eles, além de quase matar um dos colegas *just for fun*. Foi por isso que eles – na verdade o George, porque ele é que tinha o cérebro privilegiado – decidem que vão acabar com a carreira do cidadão. Para fechar o pacote dos psicopatas ainda temos a irmã do George, Virgilia, esta, sim, louca de pedra e que qualquer família sensata colocaria em um sanatório, ainda mais no século XIX. A Virgilia é a personagem mais sacal da história e não se conserta até os 45 minutos do segundo tempo.


Pontos altos da série a reconstituição dos acontecimentos de época, coisa que foi limada do filme "E o Vento Levou", por exemplo, e a construção de uma narrativa consistente sobre a amizade de dois homens. Pontos baixos a quantidade louca de psicopatas e a questão dos cabelos. Na primeira série, praticamente todos os cabelos das mulheres são anos 80. Logo me coloquei a comparar com outros filmes e livros, como "E o Vento Levou", e, também, as minisséries da BBC e dos livros como Little Women, contemporâneos de North and South. Enfim, os cabelos estavam trágicos, a maquiagem das mulheres também estava anos 80 demais, carregadíssima, exceção para as matronas das duas famílias, Hazzard e Main, e para Cosntance, a esposa irlandesa-católica do George. E nem falo de Orry e Charles Main, pensando nas mulheres mesmo, especialmente Virgilia (Kristie Alley) que como moça do Norte deveria usar cabelo preso e roupas mais sóbrias, ainda mais quando ela assumia um discurso religioso e abolicionista radical, sendo partidária da igualdade entre homens e mulheres, negros e brancos. Com aquele cabelo, aquelas roupas e a maquiagem, ela estava mais para cortesã do que ativista política chata e histérica, que vive às custas do dinheiro da família que gosta de desprezar. Mas este problema foi totalmente resolvida na segunda temporada. A coisa mudou da água para o vinho, os cabelos femininos estão perfeitos, a maquiagem mais comedida, as roupas mais adequadas.

Bem, passarei a próxima semana assistindo um episódio por dia da série dois e baixando a terceira parte que é tão criticada. Lamentável que estas séries nunca tenham passado aqui no Brasil. Também já consegui os dois primeiros livros em sebo. Pena que não com a capa da minissérie. Vou ler e comparar. Norte e Sul do John Jakes chegou a sair em português e é possível achar muita gente vendendo no Estante Virtual, os outros livros acho que nunca saíram aqui. Já o Norte e Sul da Elizabeth Gaskell acho que nunca saiu em português... Acho, não é certeza. Quando terminar Norte e Sul, pego Cranford e o novo Razão e Sensibilidade da BBC que está baixado aqui no meu computador. Por enquanto é só.

1 pessoas comentaram:

Olá!

Adorei sua resenha!
Sou completamente apaixonada por essa série, assim como pelo livro. Mas eu já prefiro bem mais Mr. John Thornton do que Mr. Darcy, mas eu sou suspeita pra falar... :)

Sabe que vc é a primeira pessoa que vejo que gostou mais do final do livro do que o da série, geralmente leio resenhas de blogueiras que acharam o final do livro sem romantismo. Não tenho preferenciais em relação ao final, adorei ambos, achei o do livro de uma sensibilidade linda e o da série igualmente linda pela troca de olhares entre os atores!

Não conhecia seu blog, adorei encontra-lo. Ultimamente, uma amiga vem me apresentando o mundo dos Doramas, estou vendo Nodame Cantabile e não poderia ter começado por um dorama melhor.

Bjoss

Renata Cristina

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