quarta-feira, 20 de abril de 2005

Claudine e Tomoi


Ontem recebi mais dois mangás da Fonomag. Não sei ler japonês e somente coleciono os clássicos porque tenho certeza de que um dia serei capaz de fazer isso. Espero... Ambos os mangás, Claudine e Tomoi, são curtos, têm uma temática gay, e foram marcos de seu tempo.

Claudine (クロヂーヌ) é um mangá de
Riyoko Ikeda, o único da autora, pelo que eu saiba, a tratar do lesbianismo de forma declarada e aberta, e isso em fins dos anos 70 e na revista Margaret. A história se passa na França (**idealizada pela autora**) da primeira metade do século XX, e mostra uma moça, Claudine, que se sente um rapaz (**transsexual?**) e comporta-se como tal. Seu pai parece não se importar e a estimula em seus "caprichos", sua mãe se desespera e a leva a um psicanalista, que, ao que me pareceu, é o narrador da história.

A protagonista ama e sofre várias vezes. Alguns de seus romances são ainda mais proibidos em função de preconceitos sociais, já que um de seus primeiros amores foi uma empregada da família. Depois de algumas tragédias familiares extras, como a perda do pai em um incêndio. O velho, bissexual e pedófilo, é assassinado pelo amante enfurecido, um companheiro de infância de seus filhos.

Claudine se muda para Paris e passa a freqüentar a universidade. Ganha fama de intelectual e, em uma festa, conhece Sirene, o amor de sua vida. Tudo vai bem, até que, meio que de repente, perde a companheira (**elas estavam morando juntas**) para um homem... seu próprio irmão mais velho! Como termina? Tragédia, claro. Fiquei tão deprimida que me deu vontade de correr para o mais "feliz" Paros no Ken. Aliás, Claudine e Sirene lembram muito Erminia e Fiona. Quer saber o pior? Claudine tem uma amiga de infância, RoseMarie que a ama e é fiel em todos os momentos. Claudine aceita o amor da moça? Óbvio que não. Deu no que deu!

Claudine foi um mangá que procurei por muito tempo e somente recentemente fiquei sabendo que tinha sido reeditado no volume três da colêtanea Ikeda Riyoko Tanpenshuu (池田理代子短編集) que reúne histórias curtas da autora da Rosa de Versalhes. No volume é possível ver as várias fases do traço da autora, desde o estilo que a consagrou nos anos 70, até o estilo de transição em Claudine, e as obras dos anos 80 e além que têm um traço que não me agrada em nada.

Mesmo fã de Riyoko Ikeda devo admitir que o mangá de
Akisato Wakuni me pareceu muito melhor. Apesar de shounen-ai ele não lembra em nada em estilo as obras que andam na moda e que são de cara identificadas pelos fãs. O traço é realista, a narrativa é direta (**pelo menos eu entendi quase tudo sem ler**), e a representação da vida dos homossexuais me pareceu muito verossímel. Parecia com alguns filmes que eu já assisti.

O volume que comprei é uma republicação de dois mangás que acompanham a vida da mesma protagonista Tomoi Hisatsugu. Nemureru Mori no Binan (O Belo Adormecido na Floresta 眠れる森美男), de 1986, conta como o jovem médico, Tomoi Hisatsugu, parte para Nova York, em 1982, para especializar-se e tentar fugir do clima repressivo do Japão. Ele quer poder expressar a sua homossexualidade e sente-se pressionado pela família que não aceitaria nunca a sua condição. Nos EUA, ele se apaixona, vive um romance com outro médico, uma cara visivelmente mais experiente. O jovem acaba provando um pouco do estilo promíscuo e descompromissado que alguns gays optam por levar. Seu relacionamento não dura muito. Pelo que vi, Tomoi quer exclusividade e o amante "aventuras". Fora isso, alguns homossexuais começam a morrer de uma estranha doença, e o amante de Tomoi decide voltar para a Alemanha, seu país de origem.

A segunda parte da história, Tomoi, de 1987, mostra o protagonista fugindo de um casamento arrumado pelos pais e amando de novo. Só que o namorado começa a passar mal constantemente, ter febre e apresentar úlceras pelo corpo, inguas e outros sintomas que deixam o médico Tomoi muito preocupado. O rapaz estava com
Aids e Akisato Wakuni foi a primeira pessoa a falar disso em um mangá. Mas o rapaz não morre em virtude da doença e, sim, ao se jogar na frente de uma bala que tinha Tomoi como alvo. Era a esposa abandonada que desejava se vingar daquele que "destruiu" seu casamento.

A terceira parte da história mostra Tomoi desesperado em busca da morte. Só para se ter uma idéia, ele se engaja em uma organização tipo "médicos sem fronteiras" e parte para o Afeganistão em plena guerra com os Soviéticos (**Eles tinham invadido o país em 1979**). Lá ele conhece um rapaz e sua irmã. A menina - e só sei o sexo por causa de uma resenha que li faz tempo - veste-se de garoto e tudo lembra um pouco a situação triste do filme
Osama. Pelo que eu entendi, alguém tinha tentado violentá-la, e tornando-se um "homem", ela poderia se proteger melhor e sair da segregação a qual as mulheres eram condenadas.

Só que o irmão da garota morre em um bombardeio. O trauma é tamanho que a menina para de falar. Tomoi a adota e passa a ter uma razão para viver de novo. Infelizmente, o vilarejo onde residem é atacado e a menina recupera a voz somente para avisar Tomoi do perigo. Bombas, escuridão e Tomoi recupera os sentidos. Está ferido e não muito longe dele temos escombros e o braço decepado da menina.

Tomoi mostra que nem sempre a vida sorri para a gente e a guerra é cruel e não um passeio no parque com heróis bonitos e limpinhos. É um excelente mangá e tem potencial para atrair até os homossexuais de verdade e não somente o pessoal que curte shounen-ai e yaoi. Gostei muito e fico contente por ter lido sobre a série pela primeira vez na Anime-EX especial História do Mangá. Lá, Tomoi estava na seção "Imortais", pois mesmo desejando intensamente, não consegue encontrar a morte. Meu interesse foi reforçado pelo fato da série estar listada entre os shoujo mangás obrigatórios no site do antropólogo
Matt Thorn.

Bom é que hoje Claudines e Tomois não tenham sempre finais infelizes, mas os pioneiros foram fundamentais para abrir os caminhos. Ambos são muito, muito interessantes e valem a pena.

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